A Missiva Perdida
Inegável que vivemos em um mundo da transcomunicação. O desenvolvimento alcançado pelos meios de comunicação de massa nas últimas décadas tornou tudo mais dinâmico, a Internet, o e-mail, celulares e outros eletrônicos onde se acham os recursos do telefone, da televisão, da música, das técnicas mínimas de fotografia e do vídeo e muito mais. De fato nem sequer nos damos conta de como tudo é tão espetacular. Não sob a ótica de um mero deslumbramento diante de tanta tecnologia; mas, que qualquer aparelhinho desses, ou recursos de relacionamento, traz informação, difusão de idéias, e sempre uma nova expectativa – onde virtualidade e realidade não se distinguem – e são uma espécie de síntese. Não mera síntese das descobertas científicas (do telégrafo para o telefone, do telefone para o rádio, que vai para televisão, que mergulha no computador e este se lança no mundo virtual total e nas viagens espaciais), mas algo mais tênue, de difícil detecção. A resenha de um conto fantástico.
Uma espécie de lança primordial da aurora dos tempos, que de tão velha quase perdeu o sentido. Desde que os primeiros grupos humanos desenvolveram e evoluíram de uma comunicação gestual e grunhida e as civilizações antigas inscreveram seus primeiros sinais, desenhos e símbolos em cavernas e rochas, essa lança navega pelo tempo abrindo portais em momentos históricos para esses saltos tão fenomenais que chegaram até nós. Essa é síntese do conto.
Porém no meio de tudo isso jaz uma forma quase esquecida de comunicação advinda do domínio da escrita e da invenção do papel; a carta. A singela carta. Aparentemente singela, mas carregada de um conjunto de significados que nenhuma dessas formas contemporâneas de comunicação em si encerram. Para quem escrevia uma carta, ou ainda escreve, o coração era inundado de sensações e emoções. A mente transmitia à mão a insegurança, a dúvida do que escrever e como bem se expressar – escrever uma carta é um incrível exercício de reflexão. Ao mesmo tempo se queria escrevê-la bem, em boa linguagem, dizer o que realmente se queria dizer. Com isso ia-se comumente ao dicionário – uma tentativa de aprendizagem. Se fosse uma carta de amor então o rosto da amada ou do amado quase que em transe se via entre as palavras alinhadas, ruborava-se com pensamentos amorosos, sensuais. Para quem recebia, ou perdurava-se na espera de uma carta que não vinha, as emoções não eram menos intensas. Caminhar lentamente até a caixa do correio, perscrutar as correspondências, procurando a carta esperada: a carta de amor, a carta de alguém querido que escrevia de longe, a comunicação de um novo emprego...Este caminhar silencioso conseguia resumir todas essas sensações. O carteiro, um cúmplice, quase sempre conseguia perceber essa angústia incontida. Depois vinha o momento solene de abri-la, a expectativa da leitura, do conteúdo, uma leitura silenciosa ou em meia voz. Ler solitariamente uma carta em meia voz é como um recital particular e silencioso para si mesmo. A alegria das boas expectativas realizadas, ou a tristeza, a surpresa ruim, muitas vezes o choro. Grandes momentos da história e da arte tiveram a carta como um dos protagonistas principais.
Getúlio Vargas deixou uma carta à nação comunicando suas angústias e o seu suicídio; foi uma carta que denunciou o grande amor de Tristão e Isolda; uma carta Romeu mandou entregar ao pai comunicando sua morte por Julieta; através dela Pero Vaz de Caminha anunciou ao rei as novas terras descobertas; Albert Einstein sugeriu em uma carta ao presidente Roosevelt a fabricação da bomba atômica. Foram tão importantes as cartas que o escritor José Paulo Paes dedicou-lhes um livro, Grandes Cartas da História.
Será que a missiva no nosso tempo da comunicação em massa, dos computadores, da Internet, do e-mail, está realmente perdida. Quem se atreveria a escrever uma carta?
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