INSTANTE
A
vida semelha um galope ligeiro; uma espécie de cavalgada onde a poeira e as
paisagens vão se conformando em nós; e aos poucos penetrando e saindo de nossa
alma desavisada. E, no mais das vezes, não nos damos conta do mundo infinitesimal
que nessa trajetória lentamente se evolve. Nossas lembranças, querelas tão
tênues, vão se formando nesse nosso universo vivencial feito de paixões
fragmentadas, de anseios bem ou mal formados, de sonhos partidos e realizados.
Cedo
ou tarde aprendemos que é o cotidiano e suas faíscas envolventes tudo que
temos; nele nosso universo cultural, desavisadamente, nos forma como seres
pensantes. Nossa língua, como há muito já foi dito pelo poeta, torna-se nossa pátria,
nossos hábitos tornam-se o arrimo que seguidamente nos constroem como seres
livres e soltos no mundo.
Nessa
trajetória fragmentada pouco se ganha e talvez muito se perca; porque na
maioria das vezes queremos viver o tempo à frente, aquele que idealizamos e que
um dia naturalmente chega; mas, invariavelmente, muito diferente daquilo que
sonhamos ou projetamos. O tempo à frente, que chamamos também futuro, tem sua
própria e secreta lógica, ou forma de ser; não o dominamos e no fundo jamais
poderemos prever a completude dos seus eventos. Mas nesse galope, porém, há
algo que se chama instante – que é,
em essência, o futuro presente! Este possui uma mágica secreta que
continuamente se põe junto a nós, e em nós, como a construção fundamental da
nossa efêmera existência; pois é ele que – como paisagens empoeiradas – lentamente
construirá aquelas nossas lembranças, que distribuirá as lides dos nossos
feitos, que edificará as verdades ou verdades desejadas da nossa biografia; o
futuro a ele está intimamente ligado, por gênese, por uma necessidade cósmica.
Porque
tudo que essa cavalgada louca conformar em nós e “pra trás” é o que se chamou
um dia instante! E no fruir dele é que
se forma esse fio delgado de sentimentos, sensações e aprendizados; esse tropel
de lembranças que pode ser chamado de memória.
E é ela que nos torna humanos demasiadamente humanos! A cotidianidade e as
sucessões de instantes, que também se chamará passado, molda nosso ser e
seremos lembrados pelo que praticamos, pelo que fizemos e edificamos.
Então vivê-los e deles
extrair e beber a seiva mais rara deveria ser a missão da nossa vida! Fazer o
bem, amar as pessoas e viver a mágica maravilhosa dos instantes é nossa senda
secreta nessa cavalgada incessante; e só assim nosso antigo coração de criança
estará preparado e liberto para um dia adormecer nos braços do tempo, como
outrora adormecíamos nos braços da mãe!
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