A
Menina e a Mulher na Chuva
Para Clotilde com carinho
Para Clotilde com carinho
O homem no vitral, pálido
como a lua, olhava pelo vidro translúcido da janela e entre as gotas de chuva,
que como uma canção caía, era sempre a mesma imagem. Uma miragem, que insistia,
insistia e insistia. Em todas ele via, a menina que de vestido branco girava,
dançava, dançava e cantava na chuva. E ria e ria. Ria de alegria! Dançando como
uma pétala de flor que como se enrodilhasse no vento caía. Mas quando ela
girava outra face também mostrava; uma mulher que chorava e, ao mesmo tempo, a
mulher que também sorria, sorria e sorria. Uma mulher, todas as mulheres, um
corpo, um rosto, só um rosto na chuva. Um rosto, um corpo, também translúcido
como do homem de olhar vitrificado, que ora chorava e também ora se esbaldava num riso pleno,
como depois da chuva o sol de meio-dia. O homem ficava cada vez mais intrigado:
quem era a menina que dançava e a mulher que chorava, mas ora sorria? E assim
se passaram muitos dias, veio o sol, transcorreu o tempo. E aquela miragem não
lhe saía da cabeça, o homem no vitral. Passou a sonhar, delirar, ansiando pela
imagem, intrigado com o que desconhecia. Quem eram elas, um feitiço, uma magia!
Passou assim longas noites, todas as noites de chuva, olhando pela janela,
esperando pela menina que dançava e a mulher misteriosa que também sorria. E
ela (e elas) de vez em quando, quando das chuvas, aparecia. E, por muitas
vezes, lhe mirando pela fresta do olhar, para a alma, estilhaçando seu corpo, quebradiço, de fragmentos de vidro, parecia que lhe dizia: sou todas as mulheres e também todas as
meninas. As que dançam, as que choram e as que sorriem. Você só me tem em
sonhos, me busca na imaginária chuva e pensa me encontrar no sol pleno e plano do meio-dia. E meu corpo, frágil diamante, é também teu corpo e minha alma, divindade insondável, também é a tua! Quando danço e
canto sou a menina que espalha sortilégios de amor no mundo, por isso danço e
rio e rio. Mas, ao mesmo tempo, sou também a mulher que chora pela inocência
que a menina perdia! Mas, mesmo assim eu danço, eu canto e eu sorrio! E só depois
de muitas chuvas o homem compreendeu. Que era ele uma miragem translúcida que a
menina e a mulher projetava e via. Porque é ele, por começo e fim, coisa que só
ela (só elas) construía. E que sua janela, sua chuva, sua alma angustiada e
corpo em fragmentos de efêmeros cristais de vidro e seu sol pleno de meio-dia, pelos olhos delas, é que são mera e imaginada fantasia.
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