PARA SEMPRE E AGORA
Para os amigos que desafiam o tempo. Ou um silêncio com
ecos.
Nada é para sempre! Sempre afirmara para si mesmo o eremita. Com aquele seu olhar taciturno e sua permanente urgência
em passar a mão sobre os olhos, como se com isso pudesse apagar, repentinamente
e para sempre, uma cena que lhe desagradava. Assim como, ao mesmo tempo, aquele
hábito estranho de simular um toque suave com as mãos em uma coisa desejada ou
uma paisagem distante, como se aquela coisa fosse a partir de então guardada,
imperecível, consigo; e não pudesse mais escapar de sua imaginação e de seu
coração. Como uma pintura que se preserva na solidão de uma parede!
Há tempos aprendera a cultivar os mesmos hábitos; as ruas solitárias, por
várias vezes imersas na mesmice em meio a multidões. A mesma rua, o mesmo
horário, pareciam abrigos a lhe conduzir, assoviando velhas canções, ao mesmo
lugar. Ao mesmo canto do mundo e ao mesmo drink.
- Pendure meu casaco, por favor! Disse ao moço. E acomodou-se; já com
aquela certa aflição da espera.
- Certo. Já lhe trago a bebida senhor.
- Senhor! Arre! Senhor. Resmungou para as entranhas. O tempo passa e isso
é tudo! Pensou.
Já depositando o copo e a bebida, soltou o moço:
- Logo ela vem, não. A noite está bonita, mas notou que não tem lua?
- Sim, notei. Mas quando tem é mais bonita ainda, não? A noite costuma
ser mais noite com a lua, não achas?
- Acho sim! Com a lua os caminhos não são tão escuros!?
- Às vezes não importa a claridade lá fora quando é escuro aqui dentro. O
silêncio tem muitos ecos!
O rapaz olhou admirado, como quem perscruta uma caverna. Notou que ele não
entendera a alegoria; irritou-se um pouco. Mas tranquilizou-se quando o viu
derribar salão adentro à cata de outros afazeres.
Puxou junto a si o copo e esperou. Mas tão logo:
- Como estás? Perguntou, largando um riso de profunda felicidade.
Nunca obtinha as respostas que desejava. Só a presença extraordinária e
admirável (como Sirena nos oceanos), os cabelos longos e pretos (como queria
tocá-los!), o sorriso mais enigmático do mundo e aquele olhar. O olhar que tudo
dizia, lânguido, como um tropel de versos. A porta da rua e o vidro translúcido
permaneciam imóveis, mesmo ante sua passagem. Ao sorver mais um gole, com o
coração em saltos (era sempre assim, a cada momento que a via. O coração sempre
a galope!), ouviu:
- “Sabes que te amarei para sempre não!?”. Dizia ela. “Porque também me
amas e eu eternamente saberei”.
Permaneceram assim por um longo tempo, sempre faziam isso. Um tempo no
qual todas as dimensões se reduziam a só uma possibilidade, quase intangível
possibilidade: a eternidade para os corações que se amam de verdade. De súbito,
apareceu o moço. Bem quando a porta, ora repentinamente e abruptamente, se
abria e fechava (alguém que saíra?); assustando-o e o retirando do torpor de um
sonho. Mal percebera, como sempre, que já muitos quartos de horas por ali se
passaram.
- Senhor, mais alguma coisa?
- Não, obrigado! Será que pegaria meu casaco? Acertamos por aqui e vou-me
embora. O copo já vazio, a garrafa também entornada e o vaso de flores pairando
sobre a mesa.
- Claro! Diga-me e aqueles novos amigos que tem feito, parece que são
pessoas bem especiais hein?
- Ah sim! Penso neles todos os dias também. São pessoas muito especiais.
Mais do que tudo eles foram se constituindo igualmente como seres fantásticos. De
imagens idealizadas, passaram a me dedicar seu tempo, seus corações (preciosas
gemas!) ora angustiados e sua incrível vontade, quase mágica, para um destino
melhor. São também cultivadores de sonhos. Lembre-se sonhar é tudo! E nunca esqueça
que no silêncio se encontram muitas falas.
- Ah e o senhor não esqueça de que estamos quase no Natal! Anunciou com
infantil alegria o moço.
- Natais, carnavais, anos-novos... São somente datas mortas-vivas em
calendários! Falou baixinho, quase que um balbucio.
Agarrou o casaco e aprumou para saída, depois de um introvertido tchau.
- “Que coisa! Como vive assim, um mundo só para si”. “Filosofou” o moço.
Tomou a rua. Uma pequena névoa emergia da noite fria e poucas luzes lhes
arrebatavam do anonimato.
- “Pobre camarada esse moço!”. Pensou. “Não sabe que vivo, secretamente,
em uma suprema felicidade. Que o que amo pulsa em minha alma e em meu coração (aparições
maravilhosas!). Pois que é neles que residem todos os sentimentos meio que irmanados, puxados pelas memórias. Os
amigos são, outrossim, essas belas paisagens mitificadas, basta tocá-las que as
terei para sempre em esplendor e grandeza”.
E a rua agora solitária o abraçou como uma túnica que se estende sobre as
rainhas e reis. Cantarolando e pensando em amigos de agora e de sempre e na
fortuna de poder amar e ser amado adentrou pelas brumas, submergindo na
madrugada.
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