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Consideráveis outros Certo dia; no entanto, esse dia, ou dia desses, não o sei dizer com precisão; é uma data incerta. O tempo corre conosco e também ao largo de nós, por isso ele não deveria importar, deveria sim ser a entidade menos importante da nossa existência. No entanto, o tempo, com seu misterioso assombro, nos devora, nos consome e tudo traga no obscuro interior de sua imaterialidade. Tudo em si é corroído, tragado por ele. Não precisaríamos talvez levá-lo tão a sério, na verdade fingimos mesmo esquecer-se dele; distraídos com o traquejo cotidiano das nossas vidas, construímos àqueles caminhos que julgávamos dirigir-se à senda derradeira, como se um oráculo ou altar das recompensas e indulgências nos esperasse, consagrando nossas conquistas e perdoando nossos fracassos. A ilusão é a primeira aparição quando ainda estamos aninhados no colo, e sequer abrimos os olhos, e também a última. Porque de fato são as ilusões e os enganos as certas linhas obscuras de nossas biografias
Experimento-texto para o lugar onde trabalho José Luiz de Carvalho   A transição do século dezenove para o vinte no Brasil traz uma série de complexidades. Naturalmente como é complexa e diversa a história humana, desde que a revolvamos pelos escombros. Em 1889 dá-se um golpe militar que atinge em cheio o Segundo Reinado, com a deposição do imperador D. Pedro II; evento este insistentemente escrito nos anais da história oficial brasileira como Proclamação da República. Do XIX para o XX as combalidas monarquias desabavam como temporais de verão.   Os signos do Império com suas toponímias populares e seu culto do um líder carismático dava lugar a um cortejo de novos personagens oficiais fortalecidos, sobretudo, pela vitória da Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai (1864-1970) e pelo apogeu dos engenhos e das fazendas onde a força de trabalho era feita pela escravidão, pela submissão vil e cruel dos povos desterrados da África e dos indígenas.   A cidade de Curitiba, ness
 Necessariamente ou poema inacabado Necessariamente Não preciso de tudo aquilo Que completa. Vivo do que basta E se sou parte ou pedaço, Pouco importa o que resta Toda coisa em si se desgasta.  Se são pedaços e partes Intimamente inteiras: Por que necessariamente a totalidade? Precisamente tal necessidade. Necessariamente não precisa O amanhecer que se lhe tome alvorada, Nem primavera que se diga Às flores brotadas. Por que afinal tiras o singular dos seres E humanos se lhes chama humanidade? A quem interessa a não pluralidade? Acaso é preciso mesmo Que se junte em todo A beleza da unidade?
Mr. and Mrs. Picklesland ­- Querido me deixe brunir melhor essas platinas! Tudo é tão significativo para o momento não? Ah! Estamos vivendo dias terríveis... como pode tanta selvageria! Bons os tempos em que colhíamos dos nossos campos, tranquilos, sem esse abobamento selvagem dessa gente desclassificada. Acaso não está bom pra eles, querido, que lhes demos algum trabalho e possam comer? - Querida, eu sei, eu sei! Mas, por favor, entenda de vez; estamos numa guerra, o destino do mundo civilizado depende desta guerra! - E definitivamente já lustrou tanto esses paramentos meu amor! Que coisa!? - Lembre-se meu querido, é como àquela linda estola que ganhou naquela cerimônia cívica; até ela ficaria muito bem atravessando essas estrelas aí. - Você sempre me convence meu amor como é importante conservar o estilo, mesmo nas horas mais terríveis e difíceis, como as que temos passado. [Breve pausa, e o vento languidamente lambe a cortina quase transparente... Só ao fundo, naquele
  Oco Não sei onde andam os sentimentos Que qualquer poema desperta.   Nem mesmo aonde deixei os manuscritos Com àqueles experimentos; lexemas, palavras, parvoíces...   Sou agora meio uma gramema Não é uma doença, eu imagino.   Mas um tipo de gangrena Que o muco e as cores muda Assim com a noite ou o dia.   Mesmo porque também largo do pesar De morrer pra assim escrever.   Não sei, ora bolas, então onde andam Esses tais amores, paixões, desejos, luxúrias...   Nem sequer mais sei se eles antecedem, precedem À poesia. Ou rebentam juntos; sei lá, depois.   Concomitantemente; incoexistentemente...   Sei que a cada instante de vida Que me sorve, certo reviramento constante Inconstante remuda.    
Sois   Um sol No horizonte indolente Escorçado retrato Em encarnado carmim.   Oh delusório cenário! Olhos teus ajabuticabados Plangente mistério Negros sóis encantados Embevecidos assim.   Quando a vi Sob um sol caminhavas Em teus passos guardavas Sobre um chão de desejos Impérvios segredos de ti.   Entrevi que te amava E que então tu estavas   Como o sol que inflama   Imorredoura fagulha Eviternamente queimando Dentro de mim.    
Esboço para um sonho   Tenho em mente uma viagem Um passeio acalentador pelas praias de areia fina com águas tão azuis quanto seus profundos olhos. Planejo há tempos essa mais importante das minhas viagens, confesso que não estou preocupado com as malas, arranjos de última hora, precisão nos horários de partida e chegada, tudo isso é tão maçante, embora necessário. Estou preocupado, diria atacado pelas sensações prévias de coisas maravilhosas que me virão. Sinto já as tardes e aquele frescor do vento que lambe meus pés, joelhos, todo meu corpo. Deitado languidamente na areia morna. E aquele azul tocando o ocre crepuscular, me deixa tão complacente, que de cara perdoo todas as tuas ausências, todas as tuas partidas e todas as vezes que quebrou meu coração, deixando-o como um vaso estilhaçado no chão. E é de recriá-lo a partir de cacos, como um Frankenstein onírico que toma como sua máxima arte os próprios remendos, os estilhaços, as partes que se juntam no todo que semp